Atualizando a descrição do blog: Tive a intenção de criar este blog para divulgar conceitos, fatos históricos, curiosidades e outros temas sobre a grande ciência física. Existem muitos outros blogs sobre o assunto, mas a minha intenção principal é tentar escrever sobre assuntos de física vistos na graduação ou de pesquisa física para o público geral. Minhas ideias sobre temas para as colunas surgem de textos e artigos que vou lendo ao longo do meu trabalho acadêmico. Discussões são sempre bem vindas!
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quarta-feira, 27 de maio de 2015

Uma discussão sobre conceitos da mecânica quântica - Medida

Este texto é continuação da discussão de alguns aspectos peculiares que encontramos na mecânica quântica, sempre lembrando que aqui tentamos fazer uma discussão o mais conceitual possível. A última discussão mostrou que observamos tudo através de conceitos e "ferramentas" clássicas, e que isso é uma maneira de enxergar a origem do conceito de complementariedade na teoria quântica. Eu reforço aqui o conselho de leitura do livro "Física atômica e conhecimento humano", onde Borh apresenta formas do conceito de complementariedade em outros campos da ciência, como a psicologia, por exemplo. Neste texto, vamos apresentar uma discussão sobre o que deve ser considerado o sistema físico em mecânica quântica, e qual sua diferença em relação à mecânica clássica.



Quando falamos em sistema físico, estamos querendo dizer um pedaço no universo no qual iremos focar nosso estudo, ou seja, estudar suas propriedades, sua evolução no tempo (a dinâmica do sistema), sua interação com o ambiente em volta (o resto do universo), entre outras coisas. Como fazemos isso? Basicamente, a maneira de se estudar um sistema físico é incidindo luz sobre ele. É assim, por exemplo, que enxergamos. A luz incide sobre um certo objeto, parte desta luz reflete e então incide sobre nossos olhos. Através de estudos da teoria da relatividade ficou evidente que, embora a luz não tenha massa, ela transporta certa quantidade de momento. Este momento tem uma analogia muito grande com o momento linear que estamos acostumados quando um corpo de massa m move-se a certa velocidade.

Pensemos então, através de um exemplo, como podemos realizar uma medida em um sistema físico, do ponto de vista da mecânica clássica. Temos um carro, de massa m, e velocidade zero e estamos interessados em medir a distância do carro até nós. Uma maneira de fazer isso é incidir uma certa luz sobre o carro. A luz, de comprimento de onda "lambda", vai incidir sobre o carro e refletir de volta. Conhecendo a velocidade da luz (que é a velocidade da luz no vácuo), medimos o tempo entre ela ser emitida e regressar e então usamos a fórmula da velocidade média para calcular a distância. Lembre-se, a luz transporta momento e, pelas leis de conservação de energia e momento, parte desse momento vai ser transferido ao carro. O momento transportado pela luz foi deduzido por de Broglie, como sendo p = h/lambda, onde h é uma constante da teoria quântica denominada constante de Planck e lambda é o comprimento de onda da luz usada. A luz, de fato, transfere momento para o carro, mas este momento é tão pequeno em comparação com a massa do carro que este não sofre nenhum tipo de deslocamento. De fato, se quisermos ser um pouco mais precisos, dizemos que h tem dimensão de ação (algo que pode ser entendido como proporcional às dimensões das forças envolvidas), e que a ação correspondente a sistemas clássicos é muito, mas muito maior do que h, de modo que os efeitos devido a mecânica quântica podem ser desprezados (o efeito aqui seria a luz transferir uma quantidade considerável de momento para o carro, de modo a movimentá-lo).

Mas o que aconteceria, por exemplo, se desejássemos medir a posição de um elétron? Bem, teríamos de realizar o mesmo procedimento, incidir luz sobre o elétron e observar quando a luz refletida pelo elétron chega até nós. Acontece que a massa do elétron é muito pequena quando comparada com a massa do carro, algo em torno de 9,10^{-31} Kg. Por exemplo, se usarmos luz do extremo vermelho (maior comprimento de onda visível) para medirmos a posição do elétron, iremos encontrar que a luz transportará um momento da ordem de p ~ 10^{-24} kg m/s. Este valor é muito pequeno quando comparado com a massa do carro, porém extremamente grande quando comparado com a massa do elétron, e por isso o elétron absorve certa quantidade desse momento e entra em movimento (ou espalha, na linguagem física). Ao entrar em movimento, portanto, ele adquire certa velocidade. 

Note que algo diferente agora ocorre ao tentarmos localizar algo em um sistema quântico. Ao realizarmos a medida, alteramos o estado do sistema. Embora bem simples, o exemplo mostra que o sistema quântico não pode ser considerado isoladamente como no caso clássico. Devemos levar em conta não apenas o sistema, ou seja, o pedaço do universo que queremos estudar, mas sim também o observador (o instrumento de medida). Para um aparato de medida diferente (no caso acima poderia ser uma luz com outro comprimento de onda) afetaremos o sistema quântico de um modo diferente e, portanto, obteremos resultados diferentes. Assim como Bohr afirmou em seus ensaios, o sistema de estudo em mecânica quântica deve ser considerado não apenas o sistema isolado, mas o sistema isolado + observador. Apenas quando levarmos isso em conta, poderemos compreender melhor o que é "realizar uma medida" em mecânica quântica.

Tentamos apresentar aqui outro aspecto que diferencia a mecânica quântica da mecânica clássica, ou seja, realizar uma medida sobre um sistema quântico irá afetar o sistema. Iremos dar continuidade neste assunto, novamente, tentando usar sempre um exemplo para explicar algum conceito emergente da mecânica quântica.

Discussões são sempre bem vindas!

Referências:

- Física atômica e conhecimento humano, Niels Bohr, Ed. Contraponto, 1996.

- Decoherence and the Appearance of a classical world in quantum theory, Ed. Springer, 1996.

- Philosophical Reflections and Syntheses, E. P. Wigner, Ed. Springer, 1997.

2 comentários:

  1. Muito bom sou bem jovem tenho apenas 16 anos e sempre me interessei por física quase todos os livros que você fala eu li,mas um certo dia queria uma leitura comentada dos livros e achei seu canal no YouTube e adorei,obrigado por mostra e divulgar o que sabe.

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    1. Muito obrigado pelo comentário. Muito bom saber que as coisas aqui do blog e do canal são úteis.
      Esteja sempre por aqui lendo e assistido aos textos.
      E sucesso nas leituras e aprondumento do entendimento.
      Abraços.

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